A recente introdução do Exame Nacional de Medicina (Enamed) no Brasil gerou uma onda de debates sobre a qualidade da formação dos profissionais de saúde. O Enamed, uma iniciativa do Ministério da Educação, visa avaliar os estudantes egressos de cursos de medicina em todo o território nacional. Este exame promete ser uma medida importante para enfrentar os desafios enfrentados pelas faculdades de medicina do país, mas também levanta questões sobre sua eficácia e as reais causas da crise na formação médica brasileira.
Nos últimos anos, a qualidade dos cursos de medicina tem sido amplamente questionada, especialmente devido à expansão de faculdades privadas, impulsionada pelo boom econômico durante os primeiros governos petistas. Com isso, a questão da supervisão da qualidade do ensino se tornou um tema central. Segundo dados de exames anteriores como o Enade e o Enare, a maioria dos cursos de medicina no Brasil não atingiu as notas consideradas satisfatórias pelo Ministério da Educação, gerando uma pressão por mudanças urgentes na formação médica.
O Enamed surge, portanto, como uma tentativa de resolver a falha sistêmica observada nos cursos de medicina, mas alguns especialistas acreditam que a medida é paliativa. Elda Bussinguer, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), afirma que a criação do exame não resolve a raiz do problema, que é a falta de um controle rigoroso sobre as faculdades e cursos que oferecem formação na área da saúde. Para ela, o Enamed não pode ser visto como a única solução, pois ele não ataca a origem da fragilidade do ensino médico no Brasil, que é a falta de estrutura e de qualidade em muitas dessas instituições.
A expansão de faculdades privadas, muitas delas com objetivos mais mercadológicos do que educacionais, contribuiu diretamente para a crise no ensino de medicina. A análise do desempenho de alunos no Enade mostrou que uma grande parte das faculdades não atendeu aos padrões exigidos para formar profissionais capazes de garantir um atendimento médico de qualidade. Além disso, a necessidade de aumentar a quantidade de médicos no país para atender à demanda do SUS levou a uma abertura acelerada de novos cursos de medicina, sem a devida análise da infraestrutura necessária para formar esses profissionais.
Para que o Enamed tenha sucesso, é necessário que o governo implemente medidas complementares, como a fiscalização efetiva das escolas de medicina e a garantia de que o currículo esteja alinhado às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Especialistas como Rosana Onocko, psicanalista e membro do Grupo de Trabalho de Educação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmam que o controle do processo pedagógico precisa ser mais rigoroso. A expansão indiscriminada dos cursos de medicina foi impulsionada por uma política educacional voltada para o lucro, em detrimento de uma formação de qualidade.
O Enamed, apesar de ser um passo na direção certa, não pode ser encarado como uma solução definitiva para a crise na medicina brasileira. A verdadeira transformação na formação médica exigirá uma revisão profunda na forma como os cursos de medicina são conduzidos no Brasil. O foco deve ser na qualidade do ensino e na capacitação dos futuros médicos para atender às reais necessidades da população, especialmente no contexto do SUS. Para isso, é essencial um esforço conjunto entre os Ministérios da Saúde e da Educação, além de um diálogo constante com as entidades e profissionais da área.
Além disso, a falta de vagas para residência médica no Brasil é uma questão que precisa ser enfrentada de maneira urgente. O programa Mais Médicos, que foi uma tentativa de suprir essa carência, não foi suficiente para resolver o problema. A escassez de vagas nas residências impede que os médicos recém-formados se especializem, o que aumenta a pressão sobre o sistema de saúde e compromete a qualidade do atendimento. Portanto, é necessário que o governo amplie as oportunidades de residência médica para que os médicos possam continuar sua formação de maneira adequada.
Outro ponto importante a ser discutido é o impacto do mercado de cursinhos preparatórios para o Enamed. Com a criação do exame, pode haver um aumento na demanda por cursos especializados em preparar os estudantes para a prova. No entanto, isso também pode significar um novo nicho de mercado que, embora ajude alguns estudantes, acaba gerando mais um obstáculo financeiro para aqueles que já enfrentam dificuldades durante a graduação. A criação de mais provas e a mercantilização da preparação para elas pode contribuir para a perpetuação das desigualdades educacionais.
Portanto, o Enamed representa um passo importante na busca por uma melhor formação médica no Brasil, mas sua implementação precisa ser acompanhada de reformas estruturais mais profundas. O foco não deve ser apenas na avaliação do estudante, mas também na qualidade dos cursos de medicina, na ampliação das vagas para residência e na garantia de que todos os futuros médicos recebam uma educação sólida e alinhada com as necessidades do SUS. Somente com uma abordagem abrangente será possível melhorar de forma eficaz a saúde pública no Brasil e garantir médicos preparados para atender a população de forma digna e eficiente.
Autor: Roman Tikhonov